quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

HISTÓRIA DO CABOCLINHO D'ÁGUA

Foi lá pr’aquelas bandas
Quando deixei minha terra
Às margens do Rio Doce
Juntinho do pé da serra.

Contam os antigos dali
Que, na banda de lá do rio,
Reinava um povo valente
Que dava medo e arrepio.

Moravam no fundo d’água
Mas tomavam conta da serra.
Faziam coisas ali, que dava medo e pavor.
Tombavam canoa do rio
Viajante e pescador
Corriam com homens valentes
Pistoleiro e caçador.

Pequeno era o seu tamanho.
A feiúra estonteante.
O corpo de um menino
Com a força de um gigante.

Reinavam e vigiavam
As bandas de lá do rio
De onde se podia ver
O peixe crescer sadio
A paca e o tatu viveram
Sem medo do desafio
Até a pintada sofrida
Seguir o ciclo da vida.

Caboclinho se foi.
A fauna se apavorou.
O homem subiu a serra
E de lá de cima voou.
Corre bicho sobe gente
Visitante predador.


Paulinho Manacá

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

COISA DE MÚSICO





Devo revelar hoje, algo que aconteceu comigo há uns seis anos, quando fui contratado para tocar no restaurante de um hotel três estrelas na cidade de Caratinga. Era uma Sexta-feira de muito movimento, como já era de costume no restaurante do hotel ABC na Avenida Catarina Cimini.
Noite chuvosa, mas o público estava presente a convite do proprietário, e também pela divulgação feita. Mas isso não vem ao caso. Às 20hs, o restaurante lotado, os garçons a postos, deu-se início ao trabalho tão esperado por todos, e por mim, que era a primeira vez que eu tocava na cidade, e por isso eu tinha que impressionar. Entre uma canção e outra, as palmas enchiam o ambiente. Sorrisos simpáticos... Ah! Era tudo muito simpático! Clientes, gerente, garçons, garçonetes, cozinheiras... E os pedidos...? Os pedidos são fantásticos, a cada local que se toca e canta, eles têm características diferentes, como o pedido da cliente que vem com a amiga e escolhe a mesa mais próxima do palco, e inicia uma verdadeira paquera com o músico. De repente chega o garçom com o pedido que diz assim: ”por favor, eu não sei o nome da música, mas a letra é mais ou menos assim”: “se você vier pra o que der e vier comigo”, ou aquela assim: “amo sua voz e sua cor, e o seu jeito de fazer amor... ai esse maldito feixo eclair...”, tudo isso com uma marca de batom. Tem também os que insistem com a música sertaneja, e os que fazem o pedido e não ouvem e pedem novamente a mesma música, os que passam em frente ao palco cantarolando a música que querem ouvir, são inúmeros. Mas, retomando o assunto, a noite estava ótima! Porém numa certa altura do “show”, no meio da canção do Ivan Lins, tivemos um problema técnico de queda de energia devido a vários aparelhos ligados, não só no restaurante, mas também no hotel, pois, como já havia dito, a noite estava chuvosa e fazia um pouco de frio, então todos os hóspedes resolveram tomar banho quente. Não sou chegado a banhos quentes. Bom, eu não entendi nada quando o garçom largou a sua bandeja, e passou diante do palco numa velocidade, saiu pela porta, e sumiu na chuva. Em menos de dois minutos estava tudo normal.
Eu voltei a cantar a mesma canção quando vi o garçom voltar todo molhado, trazia nos lábios um sorriso maroto que se assemelhava a todos os sorrisos presentes. Bem, assim foi seguindo a noite, maravilhosa... Sorrisos... Paqueras, até que novamente, outro pic, e mais outro, e mais outro etc... Juro que começou a incomodar, pois meu repertório de desculpas já tinha se esgotado e eu comecei a me perguntar o que eu estava fazendo ali. Novamente outro pic. Agora o restaurante estava mais lotado, tinha gente em pé, no balcão, na porta, nos corredores das mesas e para piorar todos os garçons estavam muito ocupados, então, tive eu mesmo que fazer a correria. Cantava, parava e largava o instrumento, corria até a chave geral, ligava a chave, voltava na chuva, pegava o instrumento e repetia tudo novamente. E assim foi até a hora de parar, isso já eram umas duas horas da madrugada quando dei fim a essa labuta. Apesar do imprevisto, eu levei tudo na brincadeira, e compartilhei com eles todos os sorrisos e gozações.
Depois de tudo arrumado, instrumentos, estantes, pedais, fui fazer o lanche noturno, que é de direito do músico. Sentei-me à mesa das clientes que estavam sós, me apresentei, chamei o garçom, solicitei uma cerveja e fiz o pedido: - por favor, uma porção de filé, arroz branco, purê, e fritas. O garçom olhou em volta, rapidamente anotou o pedido, e com um sorrisinho no canto da boca seguiu em direção ao balcão onde o Barman lê, passa para o caixa que lança no colibri e manda a ordem para a cozinha.
Entre conversas e sorrisos, uma piadinha leve aqui, uma mais pesadinha ali, a coisa tava ficando bacana, eram duas mulheres bonitas e agradáveis. Nesse momento chegaram as porções, o garçom nos serviu, eu pedi um aperitivo que era para estimular o apetite e aumentar o nosso entusiasmo. E assim foi, aumentando, o entusiasmo e a quantidade de aperitivos. Até que certa hora, eu, já bem animado pedi licença para ir ao banheiro, e no caminho fui maquinando uma forma de me aproximar de uma delas.
Depois de formulada a frase final e escolhida qual das duas seria abordada, voltei rapidamente para a mesa. No caminho, um garçom ainda fez uma brincadeira, e eu, mesmo sem entender, sorri. Eu só pensava no resultado final da minha abordagem.
Porém, quando eu estava chegando, percebi que havia algo além daquela bonita amizade e entendi também a brincadeira e a risadinha do garçom que nos atendia, ao ver que debaixo da mesa, duas mãos se entrelaçavam em carícias, e olhares fixos e cúmplices enchiam de paixão aquelas duas mulheres, que ao perceberem minha chegada, disfarçaram esboçando tímidos sorrisos. Isso não me constrangeu, mas foi um banho de água fria no meu entusiasmo. Eu não tinha o que falar. Belisquei um tira-gosto, tomei um copo de cerveja, acendi um cigarro e ainda pude ouvir, quando bem baixinho uma disse no ouvido da outra:
- Leva-me pra sua casa!
- Sim! Respondeu a primera já se levantando. Despediram-se e partiram de mãos dadas.
Já não chovia mais, e a noite continuava fria, e eu, ali com toda aquela comida e toda aquela bebida, sem querer mais nada.
Fazer o que? Arrumar as coisas e fechar os olhos, e esperar a próxima noite, no mesmo palco.
Como dizia o poeta: “fim de festa, músicos a pé”. Menos mal, eu fui dormir no quarto Califórnia, segunda classe do Hotel da Avenida Catarina Cimini.

Paulinho Manacá
21/04/2006

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Egolatria

Procuro conversar comigo
A sós.
Falo tudo o que eu quero dizer
E ouço tudo o que eu quero falar.
Sozinho, não procuro nada.
A ponta da minha língua afiada
Me incomoda
Como os domingos.
Odeio os domingos!
Visitação,
Frango com macarrão,
Gugu e Faustão,
Pet barata,
Copo sujo de mão de menino,
Pilha de vasilhas na pia,
Restos de comida na mesa.

E à noite,
As pessoas comuns passeando nas praças
Com suas proles,
Com seus cachorros lambões
Sujando o chão,
O meu chão!
Que eu vou pisar
Com a minha autofilia.


Paulinho Manacá

1/4 do meu quarto

É um espelho grande que tem a minha cara.
É um espelho grande que teme a minha cara.
É um espelho grande que tem cara.
É um espelho grande que tem, cara.
É um espelho grande, cara.
Repara na cara do espelho
Que reflete o que encara,
E prepara a imagem
Que vais encarar.
A minha poesia,
É o reflexo do que estou vivendo.
E agora,
Estou vendo o espelho do meu quarto.
¼ do quarto,
Que é a parte que me foi permitida.
Permito me ver refletido no espelho,
Que mostra a imagem real
Como de fato é:
Alguém deitado numa cama,
E se vendo no espelho
Do ¼ do seu quarto.

Paulinho Manacá

BUSCANDO ENERGIA NAS RAÍZES DO SAMBA

BUSCANDO ENERGIA NAS RAÍZES DO SAMBA