quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

COISA DE MÚSICO





Devo revelar hoje, algo que aconteceu comigo há uns seis anos, quando fui contratado para tocar no restaurante de um hotel três estrelas na cidade de Caratinga. Era uma Sexta-feira de muito movimento, como já era de costume no restaurante do hotel ABC na Avenida Catarina Cimini.
Noite chuvosa, mas o público estava presente a convite do proprietário, e também pela divulgação feita. Mas isso não vem ao caso. Às 20hs, o restaurante lotado, os garçons a postos, deu-se início ao trabalho tão esperado por todos, e por mim, que era a primeira vez que eu tocava na cidade, e por isso eu tinha que impressionar. Entre uma canção e outra, as palmas enchiam o ambiente. Sorrisos simpáticos... Ah! Era tudo muito simpático! Clientes, gerente, garçons, garçonetes, cozinheiras... E os pedidos...? Os pedidos são fantásticos, a cada local que se toca e canta, eles têm características diferentes, como o pedido da cliente que vem com a amiga e escolhe a mesa mais próxima do palco, e inicia uma verdadeira paquera com o músico. De repente chega o garçom com o pedido que diz assim: ”por favor, eu não sei o nome da música, mas a letra é mais ou menos assim”: “se você vier pra o que der e vier comigo”, ou aquela assim: “amo sua voz e sua cor, e o seu jeito de fazer amor... ai esse maldito feixo eclair...”, tudo isso com uma marca de batom. Tem também os que insistem com a música sertaneja, e os que fazem o pedido e não ouvem e pedem novamente a mesma música, os que passam em frente ao palco cantarolando a música que querem ouvir, são inúmeros. Mas, retomando o assunto, a noite estava ótima! Porém numa certa altura do “show”, no meio da canção do Ivan Lins, tivemos um problema técnico de queda de energia devido a vários aparelhos ligados, não só no restaurante, mas também no hotel, pois, como já havia dito, a noite estava chuvosa e fazia um pouco de frio, então todos os hóspedes resolveram tomar banho quente. Não sou chegado a banhos quentes. Bom, eu não entendi nada quando o garçom largou a sua bandeja, e passou diante do palco numa velocidade, saiu pela porta, e sumiu na chuva. Em menos de dois minutos estava tudo normal.
Eu voltei a cantar a mesma canção quando vi o garçom voltar todo molhado, trazia nos lábios um sorriso maroto que se assemelhava a todos os sorrisos presentes. Bem, assim foi seguindo a noite, maravilhosa... Sorrisos... Paqueras, até que novamente, outro pic, e mais outro, e mais outro etc... Juro que começou a incomodar, pois meu repertório de desculpas já tinha se esgotado e eu comecei a me perguntar o que eu estava fazendo ali. Novamente outro pic. Agora o restaurante estava mais lotado, tinha gente em pé, no balcão, na porta, nos corredores das mesas e para piorar todos os garçons estavam muito ocupados, então, tive eu mesmo que fazer a correria. Cantava, parava e largava o instrumento, corria até a chave geral, ligava a chave, voltava na chuva, pegava o instrumento e repetia tudo novamente. E assim foi até a hora de parar, isso já eram umas duas horas da madrugada quando dei fim a essa labuta. Apesar do imprevisto, eu levei tudo na brincadeira, e compartilhei com eles todos os sorrisos e gozações.
Depois de tudo arrumado, instrumentos, estantes, pedais, fui fazer o lanche noturno, que é de direito do músico. Sentei-me à mesa das clientes que estavam sós, me apresentei, chamei o garçom, solicitei uma cerveja e fiz o pedido: - por favor, uma porção de filé, arroz branco, purê, e fritas. O garçom olhou em volta, rapidamente anotou o pedido, e com um sorrisinho no canto da boca seguiu em direção ao balcão onde o Barman lê, passa para o caixa que lança no colibri e manda a ordem para a cozinha.
Entre conversas e sorrisos, uma piadinha leve aqui, uma mais pesadinha ali, a coisa tava ficando bacana, eram duas mulheres bonitas e agradáveis. Nesse momento chegaram as porções, o garçom nos serviu, eu pedi um aperitivo que era para estimular o apetite e aumentar o nosso entusiasmo. E assim foi, aumentando, o entusiasmo e a quantidade de aperitivos. Até que certa hora, eu, já bem animado pedi licença para ir ao banheiro, e no caminho fui maquinando uma forma de me aproximar de uma delas.
Depois de formulada a frase final e escolhida qual das duas seria abordada, voltei rapidamente para a mesa. No caminho, um garçom ainda fez uma brincadeira, e eu, mesmo sem entender, sorri. Eu só pensava no resultado final da minha abordagem.
Porém, quando eu estava chegando, percebi que havia algo além daquela bonita amizade e entendi também a brincadeira e a risadinha do garçom que nos atendia, ao ver que debaixo da mesa, duas mãos se entrelaçavam em carícias, e olhares fixos e cúmplices enchiam de paixão aquelas duas mulheres, que ao perceberem minha chegada, disfarçaram esboçando tímidos sorrisos. Isso não me constrangeu, mas foi um banho de água fria no meu entusiasmo. Eu não tinha o que falar. Belisquei um tira-gosto, tomei um copo de cerveja, acendi um cigarro e ainda pude ouvir, quando bem baixinho uma disse no ouvido da outra:
- Leva-me pra sua casa!
- Sim! Respondeu a primera já se levantando. Despediram-se e partiram de mãos dadas.
Já não chovia mais, e a noite continuava fria, e eu, ali com toda aquela comida e toda aquela bebida, sem querer mais nada.
Fazer o que? Arrumar as coisas e fechar os olhos, e esperar a próxima noite, no mesmo palco.
Como dizia o poeta: “fim de festa, músicos a pé”. Menos mal, eu fui dormir no quarto Califórnia, segunda classe do Hotel da Avenida Catarina Cimini.

Paulinho Manacá
21/04/2006

BUSCANDO ENERGIA NAS RAÍZES DO SAMBA

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